domingo, 21 de dezembro de 2014

Solar


Plantamos discretos sóis
Nos secos vastos de descrenças.

Descalços de distâncias, descremos
de trilhas e de errâncias,

pisando no infinito que nos funda.
E flores fincam cores no cinza insosso:

sombreiam amarelos de leves sons –
sussurros de olhos que cantam auroras.








*Desenho de Juliana Lesquives, para quem dedico este poema.

domingo, 16 de novembro de 2014

Déjà vu


Me canso e morro de distâncias não ditas.
Os pés ardem do peso do pó
de uma encruzilhada à frente
e racham-se, temendo a secura.

Ponderando imponderáveis,
calço meus calos do medo desvisto,
desenhado por miragens passadas de trilhas e perdas.

E permaneço.
Morto.
Assassinado pela sede não sentida -

enquanto águas me contornam,
margens brilhantes de cegueira e vida:

os pés, hidrófobos, afundam-se pedras,
(des)esperando a dor futura.

domingo, 28 de setembro de 2014

Via Láctea


Não vi a noite naquele universo
quente, de claro afeto e calma.

Um som rasgava minhas órbitas
mortas há milênios-luz,
e um sol tonteava astros em mim.

Afundava-me no Branco,
pulsante, como o primeiro fogo –
o verbo que, de sua boca,
brotava a aurora do universo.

Eu desvia a vida em que afundava,
secando-me de vácuo e frio:

quando mudo me quis Lua,
explodi, supernova.

E da luz aberta,
num Todo-horizonte,
era eu clareira,
caminho,
você.

domingo, 21 de setembro de 2014

Apneia


Mergulho, afundando o fôlego
na calma azul do dia, de marolas e suspiros.
O ar percorre o corpo – sabido do fim –
inundando de mar as veias.

Os braços soltam-se, abertos,
percorridos de desejos molhados,
e um sol educado põe-se,
tingindo laranjas no mar incandescente.

Os olhos fecham-se, serenos,
despindo sinestesias.

– Dispo-me da superfície insossa e seca –

E, a fundo, ignoro o ar que finda,
feito de futuros e securas.
As águas que me respiram carregam
o gosto de sol, sal – seu –
na noite navegada de universo.

– Pulmões extasiam-se num gemer abissal –

No mar em que amanheço,
ecoo marulhos, acordado de distâncias:

respiro gotas, infinitas, de um
atlântico vermelho, pulsante.

Auroras irrigam valsas
de meu vasto e rochedo peito.

sábado, 20 de setembro de 2014

Abissal de Narciso


A última gota esvai-se no espelho.
Borrada, escorrida de incertezas,
trança frestas sentidas.

Há silêncios trincados – veias expostas
de um moribundo sorrir, sonhar.

O dilúvio em cacos,
mar de eus náufragos:

ilhados na areia ferina e fervente,
evaporando o traço rascunho –
antes falésia dos olhos altos,
mirados ao céu, apoiados em águas.

                           .   .   .

Os cascalhos chacoalham ecos,
seixos de si, saudosos,
sedimentos sentimentos:

um rosto apagado,
alagado de pó,
vento
e nada.






quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Aquário de náufragos



Há um lago de tormentas represadas,
de um claro-calmo falso,
margeando o incabível.

Um dia infinito - marítimo querer -,
o espelho d'água parte-se
em abissais,

e o mergulho,
derramar-se da alma,
agora afunda, sufocante,
a íris que grita
o reflexo.

O oceano que se desfaz,
espirrando o lago,
é eco de longo anseio
de um frágil nadar,

despido de face, fé
de fôlego -

de fim. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A cor que olha

Devora-me.
Adocica pressas -
passeia-me desejos.

Choques, peles e cores
enroscam-se rindo -
elevando-se, leves.

Um gosto caramelo,
faminto, guardo.
E um corpo de fogo,

derretido em suspiros,
grudados, mordidos -
Incontáveis.

O ar que fica
vê-me, na cama
vazia e virada,

e vicia-me - você.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

O pó de voz



Coçando a garganta pra sufocar o incômodo, não percebi inútil o gesto. A voz, interrompida, teimava palavras cansadas de furar o bolo que, inconveniente, se inflava. Mas de verbos, migalhas de sons secos sacudiam os ouvidos fartos e insones, de vistas tediosas. Engasgavam as pálpebras, talvez pra capturar o que no ar vibrava meus recuos.



E meu corpo, afásico de ser, observada frangalhos fonemas debaterem-se no chão, em sede, corroendo-se com o peso daquele pedaço de receio que incomodava-se em minhas vias. Minha língua, estranha a mim, logo enrolava-se em fricções áridas, descascando-se: e em cada arrastar vão, a dor e a mudez, empoeirando-me. E os que desejavam o sono veem agora o pó, tímido, traindo suas vistas e sumindo - marejando olhares e sussurrando silêncios.

sábado, 3 de maio de 2014

Das cores, num cinza I


Desvi adeus quando a vi,
colhendo vontades com os olhos.
Dançando lábios, 
vermelhos de calmas, era em mim o toque 
um passear de fogo e afeto.

Num agora breve da cidade em pedra desando-me,
cego-me em sentir, sem horas,
despido de pressas,
perdido na pele que me envolve - sua.

domingo, 27 de abril de 2014

O ar de rosas



Cego de cinza, eu calçava passos
de desquerer, descrentes de sol.

E pedras crispavam pés
em labirintos silêncios.

Mas um rosa cheirou meus olhos,
Pintando uma mão, fio dourado
a trançar-me sorrisos.

Caído o claustro, cavo o céu
de pétalas, planto confortos
e colho um peito a riscar-me.

Aspiro o decalque do que,
desvisto, acreditei apagado:

olhos de só azul, iluminados –
cores que dele saem, infinitas

e o perfume de querer aquarelas.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Voo abissal


De nadar cansei, com braços de nadas,
estendendo o olhar para qualquer azul:

única força a tanger a tormenta,
enquanto a carne flutua - pesada.

A vista voa feito vela a a vestir ventos,
vagando solta da voz que afunda - vazia.

E o corpo pende no fio do espelho d'água,
profunda pedra a perder o peito que pulsa.

E se me perco de mar, martírio de ser,
deixo olhos do que vi lá, em outro azul.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

A fratricida


Vi afundar a palavra naquela distância gritada,
eco de um olhar que se esconde e esquece.

De sua mão, a afagar esse mar de penhascos,
sequer a palma aberta, acenando fins:

apenas cascalhos e cavernas restam
nos dedos cerrados de secura.

Abissal e surda,
sua andança
tudo leva.
Nada leva.

Enterra.
E segue.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Noite vaga


Era um silêncio estranho, calma rasa,


dando enjoos de vazios a um corpo
esquecidamente cansado.

Ensinava a mim mesmo a encher o peito
com a maresia que embolava as algas mortas.

Comia o ar, pois era a matéria que bastava.

Percorria as insossas espumas que o mar cuspia,
chutando o azul sem som.

E na noite que chegou, cheia,
a lua gritou a maior maré.
E em minha barriga,
uma dor que treme 
lágrimas.

Eu havia esquecido o que era saudade.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A terceira cor



Olho, calçando a luz de um sol em despedida,
voltas turvas e várias de um vermelho borrado.

O pincel que a criança deixou cair
escondeu-se numa velha alma
que rascunha com gastas vistas,
com cinzas e duras tintas.

A paleta secava o tempo
com o pó das tintas mortas:

poeira que maquiava o silêncio
na face branca, vazia.

E uma pedra de carvão
arrasta-se na tela poente,
no difícil risco
de um querer gasto.

Em vermelhos e pretos,
escorre toda a matéria,
espalhada por um sopro.

Você, imagem disforme,
desfaz-se, num amar-além,
ar que o futuro sussurra,

que apenas restos leva –
vontade que rabiscou o nada.



sábado, 18 de janeiro de 2014

Mergulho do ilhado III



Um rio limpa a terra encarnada nos pés gastos,
mas não desfaz suas rachaduras.
As fraturas engrossam a pele, mesmo limpa.

Não há foz para decantar a dor levada,
ainda alcançada pelos meus olhos.

E um mar de barro se veste
com o pôr-do-sol,
inundando todo meu corpo.

Deles surgem fissuras esquecidas;
formando rochedos,
falésias de memórias
intermináveis -
incompletas.

E o vermelho da criação,
Gênesis de lama e sangue,
tornam a carne dura pedra,

de silêncio e naufrágio.