quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Apanhadores de estrelas



A gente brinca com o Sol que não existe.
Uma estrela de talvez e querer que carregamos desde pequenos,
como uma bola, boneca
ou amigo imaginário.

De um nada multicor, enxergamos a luz espalhar-se em coloridos
nossos.

São cores que voam, perdidas, pela infância,
E nos acompanham, até quando o fôlego dos pincéis de sonhos secam.

E continuamos a brincar, mesmo havendo apenas cinza

pois, mesmo mortas, as estrelas iluminam o infinito
sem nos dizer de seu silêncio.



Mergulho do ilhado II



Havia outra costa, cuja vista, amarela e seca, pescava com dificuldade.
O pulo, cego no azul, afogava-se em desesperos.

Mas nenhuma braçada toca a outra ponta do mar.
Apenas a falta de fôlego, a vista turva – vertigem.
Meu corpo se desfaz no ar que falta e na imensidão faminta,
pedindo seu olhar perdido.

Longe, a  areia esvoaçava com o vento mudo, ignorando a travessia. 

O chão – esse mar de naufrágios – não cabia minha ida.
Não cabia sequer a gota de suor a derreter esperanças. 

Os olhos, marejando sufocos, solitários cavavam a tranquila maré
daquela faixa de terra, virando pó, abraçada ao pôr-do-sol.

domingo, 23 de junho de 2013

Ainda arde.



Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
(Carlos Drummond de Andrade)


Eu enxerguei aquilo que sentia, cercado por todos, desconhecidos, anônimos, cobertos. Os pulmões pareciam explodir, mas de um ar verde, que florescia uma coragem titânica. Centenas, milhares, passos, gritos e uma vontade de estar ali, em marcha, de mãos dadas ao desejo de todos, também meu. 

Uma segurança inabalável, que tornava clara a vista, fixava meus pés lá na multidão andante. Uma guarda com olhos de condor. E a guarda, de duro cinza e barro, em nossa frente. O primeiro estrondo embaça a vista e o controle: mãos separadas, direções desencontradas numa mistura de tropeços. O ar, nas entranhas, pesa um vulcão, explodindo ardores e raivas, fazendo com que muitos enfrentem, avancem, apedrejem, xinguem. 

Quando a noite chegou, após algumas horas do início da marcha, o medo me cobriu; uma paralisia que sequer deixava-me tremer. Os ossos estavam estancados no asfalto, como se fossem cavar ali uma cova. Não via mais as fileiras formadas por aqueles que ao meu lado. Noturno, turvo e tenso era o chão que sob meus pés tremia, quando uma legião de estrondos e fumaça cercou minha ruína. Onde eu pisava e para onde eu ia apenas o terror poderia balbuciar. Desesperadamente. Bebi a gota que Cristo cuspiu, em agonia. Uma sede inglória de vinagre barato, sacro e criminoso. Corria da morte, já tendo o Inferno a arder tudo. O sangue e o vinagre escorriam, misturando o que não cabia em fôlego, grito, dor e peito. Tudo escurecia ainda mais, e não havia mais redenção do corpo: girava perdidamente nos círculos ínferos que meu choro havia se tornado.

Há uma bomba de gás em meu raciocínio. Há uma fumaça ardendo minha perspectiva. Mãos e pés tremem, apoiados no etéreo sopro da confusão. A voz ainda falha, silenciada pela gota de lágrima que não desceu. Que corre. Que, trêmula, me aterroriza. E arde.

sábado, 15 de junho de 2013

Petalar



Um beija-flor aprendeu a carregar perfumes. 
A leve ave, de invisíveis asas,
sopra uma pétala de ar, 
a vestir-me jardim.

Vendo brisas em rosas, 
inalo a luz etérea do pássaro:
arco-íris de aromas – estou. 

Da terra que nasço floresço mãos,
hálitos de aurora, de agoras e aqui:
aprendiz de bálsamos – sou. 

No revoar de flores e corpos,
o sorriso da aquarela que me desenha;
os toques riscam ventos, suspiros, 
violetas de rosas brancas margaridas.

E nas penas do beija-flor, o pólen multicor,
carregando o Éden que somos – infinito. 



domingo, 7 de abril de 2013

Mergulho do ilhado I


Profundo. De olhos fechados, sentia o sol pela calma. No balanço de ondas, mergulhava-se. Naqueles toques azuis que acariciavam suas lágrimas, esqueceu a terra – fora. Afundado no mar, navegaram em si as carícias do norte. 

E – ainda no oceano – aquela lágrima insistia uma mão, enterrada, crespa. Ainda a querer naufragá-lo. De novo.