Um convite restava escasso. Era comum para esses eventos chegarem aos pares, para evitar o desagradável da solitária noite, sendo também um excelente recurso para garantir a alguém o gozo do “bom dia!” na manhã seguinte. Mas, encerrado nos detalhes dourados da folha negra, o segundo convite repousava sua inconveniência e despertava o intruso incômodo em Paulo, a tentar ignorar um corpo que, ausente, assombrava-o.
Havia chegado do trabalho 19:45. Engarrafamento maior do que o de costume por conta de um jogo de futebol. Sentado na cama – desfeita desde a hora que acordou, pra evitar o trabalho de arrumar pra desfazê-la à noite – pôs-se desatenciosamente a ler a carta, por já estar ciente do conteúdo: Lançamento do livro... dia 19... 20h... E, grampeados, os convites. Ferreira Távora o conhecia bem a ponto de saber que ele não tinha ninguém pra levar ao lançamento. Era amigo de longa data de Paulo, a ponto de torná-lo mote de três poemas do seu novo livro, motivo da carta. Desde a semana passada Távora falava do lançamento, e Paulo sabe que será uma grande falta se, no domingo, não for prestigiá-lo.
Aquele segundo estranho papel com os dizeres “convite individual” tirava a pouca fome de Paulo. Lembrou de um dos trechos de um poema de Távora, A cama órfã, que leu tempos antes no blog do amigo: "Cobre-te o véu noturno do sonhar / enquanto nina longe teu mais doce sentir. / Porém teu berço enlaça a cantiga surda / do nome que em corpo jamais em ti deitará." E o outro convite, inominado. Outro. E a noite, longa. Havia alguém a chamar, mas no convite não veio a coragem, a grande falta de Paulo. Com o celular em mãos suadas e a agenda telefônica visível no display, os dedos tremem. O verde do send iluminava o quarto cuja fraca luz da luminária apontava o envelope deixado na escrivaninha. Apenas um convite, e a noite se estendia. O visor do celular diminui sua claridade enquanto Paulo mantém fixo seu olhar cego na parede. E voltam os versos, ecoados pela cama desfeita.
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Segunda. Acordou do breve cochilo permitido pela insônia atrasado para o trabalho. Apenas se lembrou de pegar o notebook, escovar os dentes, beber um copo de leite e rapidamente vestir uma roupa. Com a cabeça dolorida, pensava no que iria dizer a Távora quando ligasse pra ele. E os convites, caídos no chão, permaneciam juntos, como vieram no envelope. Sem destino, sem nomes, individuais.
é sempre difícil comentar algo aqui. depois de ler sua produção fica sempre um convite à reflexão. Um convite por muitas vezes tão inconveniente quanto o do texto. Não me entenda mal, o que eu quero dizer na verdade é que a perspectiva de quem te lê é alucinada. Impossível não se reconhecer em pequenos detalhes, as vezes em imensos trechos dessa narrativa, poesia, algo ( pra não categorizar demais) que você escreve tão bem. continue a nos convidar. dói as vezes, mas logo passa e só fica admiração...
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