O gole gasto pelo desgosto fez do copo um ingrato elo. De costas para a rua e de frente ao dono do bar, Aldo desligava-se das altas vozes que exalavam a alegria em sorrisos e bebidas (derramadas ou não). Já era final da tarde, e seus três goles forçados nada afetavam sua consciência e até sua sóbria alegria tornava-se um incômodo; eram os outros, esquecidos pelas responsabilidades diárias a imperar obrigações, a rir. E a luz do dia ensaiava sua saideira, enquanto mais um amigo chegava à mesa, disposto a compensar seu atraso em cervejas e cigarros.
Todos seus, todos livres ou com os seus. E a mesa agigantava-se com o coral ébrio de todos. Aldo permanecia olhando para o copo, boiando naquele líquido que perdera o gosto e que agora, num insosso morno, apenas servia de peso inútil para as mãos. Ouvia os carros que passavam pela pequena rua e passavam perto de suas costas. Sentia Carla, entre risos e cerveja, dar-lhe beijos e carinhos. E sentia o copo pesar-lhe as mãos. Não era hora para ressacas, porém esta nunca respeitou os tímidos ensejos de Aldo. E o sol tornava-se uma condensada esfera brilhante no céu, reduzindo seu brilho.
A poucos passos estavam todos da praia, e assim decidiram contemplar o pôr-do-sol. Aldo já estava disposto a isso, tal seu desejo por solitárias mortes, e, rindo de alguns escorregões de amigos, seguiu até a murada. Todos conversavam alegremente e ressuscitavam velhas músicas que ressurgem após (muitas) doses de álcool. Mas o marulho insistia em Aldo, lembrando-o do sol. Poucas ondas, por conta da maré baixa, e algumas nuvens a acolchoar seu descanso. Aquele astro que tinha hora certa de se ir. Aquelas águas que se moviam num tranquilo fluir. E a estrela amarela, firme e lenta, repousava seu fulgor em distantes ilhas, afastada da ovação à sua partida.
Enquanto os outros tiravam fotos, alegrados pelo momento, Aldo permanecia observando o agora vazio céu, vácuo azul que agonizava nas ondas do mar. O que aclarava a beira-mar agora eram flashes saídos de uma câmera, a guardar as simpáticas faces de companheiros de vida e de brindes. E Aldo esquecia que estava entre eles enquanto, perdido, contemplava as primeiras estrelas da noite aparecendo. Ausente, foi despertado do contemplar por uma doce mão em sua nuca e um beijo no rosto; era Carla, que, na saudade imediata dos íntimos, queria-o de volta a si. E os abraços e carícias enganavam a infindável vontade.
A noite chegava junto com a partida. Aldo despede-se de todos (o sol foi o primeiro deles) e Carla, em misto de lamento e inconformismo, abraça-o longamente. Havia outras coisas a fazer, embora seu desejo fosse lá ficar. Já partindo para a longa caminhada até sua casa, deixa para trás seu copo, esquecido na murada, que tomba e cai no mar. O líquido morno mistura-se à salgada água, tornando-se vagas em uma escura noite. E o sol, numa ilha distante, escondia-se da alegre festa que fazia da noite seguro teto.
muito interessante!
ResponderExcluirTEXTO EXCELENTE! ESSE NÊGO GOSTA DE ESCREVER DIFÍCIL! RISOS...PARABÉNS MEU QUERIDO, PELO BLOG E PELOS TEXTOS QUE VC PRODUZ! ABRAÇOS.
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